Os fairy tales aparecem, pela primeira vez,
sob a forma escrita, em Itália com alguns autores do Renascimento. Contudo, é apenas com
Charles Perrault, em França, que os fairy
tales surgem, efetivamente, como género literário: “Si les premiers contes
écrits apparaissent en Italie à la Renaissance, c’est avec Charles Perrault que
naît un véritable genre littéraire.” 1
De acordo com
Steven Swann James, em The Fairy Tale: The
Magic Mirror of the Imagination, fairy
tales podem ser definidos como uma espécie de naturalização, por parte dos
protagonistas, de eventos ou fenómenos insólitos: “fairy tales depict magical
or marvelous events or phenomena as a valid part of human experience.” (James,
p. 9)
Os fairy tales podem ainda ser definidos
como uma história onde o herói, ou heroína, passam de uma fase de estabilidade
para uma fase de instabilidade, que corresponde à aventura, provas ou peripécias
que devem ser ultrapassadas de modo a que possam chegar a uma nova fase de
estabilidade.
De modo a que se
possa analisar tanto o livro como o filme The
Princess Bride como sendo fairy tales,
é necessário enumerar os elementos básicos que, por norma, caracterizam os fairy tales, isto é: referir o que torna
uma simples história num fairy tale.
Os fairy tales têm uma estrutura própria,
que pode ser dividida em três momentos-chave: a abertura da ação, ou situação
inicial, onde as personagens são apresentadas, assim como são revelados os
motivos da ação; a aventura, onde os heróis/heroínas se deparam com os
obstáculos que têm de ultrapassar e, por fim, a situação final, que é marcada
pela recompensa dos heróis e pela condenação dos vilões.
Normalmente, os
contos de fadas decorrem num passado impreciso, com contornos pouco definidos,
num tempo que, muitas vezes, não corresponde ao tempo real. Estes contos
situam-se, tipicamente, em lugares longínquos e fictícios onde existem
castelos, florestas e outros lugares encantados.
Relativamente às
personagens, os heróis ou protagonistas são as personagens dominantes do conto.
As aventuras e desventuras dos heróis constituem o centro da narrativa. São
também os heróis que representam o bem por oposição ao mal, representado pelos
vilões. Os vilões são quem mais contribui para a destabilização da ação e são,
também, um dos obstáculos que o herói deve ultrapassar.
Outro elemento que
é tipicamente encontrado nos fairy tales
é a superação de determinadas provas ou obstáculos, também designado por
aventura. Os protagonistas vêm-se, de certa forma, obrigados a ultrapassar
obstáculos de modo a que possam alcançar a felicidade. A aventura e as
peripécias que vão encontrando ao longo da intriga simbolizam, de certa forma,
a superação do bem contra o mal, que é um dos temas recorrentes dos contos de
fadas.
Elementos do
maravilhoso, do fantástico, ou simplesmente magia, são elementos que
encontramos em todos os fairy tales:
animais que falam, fadas, monstros, dragões, bruxas, ou outras criaturas são
muitas vezes encontrados nestes contos. Estes elementos do fantástico são
considerados normais e são representados, nos fairy tales, como sendo algo normal que faz parte do quotidiano das
personagens da história.
Todos os fairy tales têm uma moral, isto é, uma
mensagem que é transmitida ou uma lição que deve ser aprendida. Esta moral pode
ser explícita ou pode ser deixada ao leitor para este a interpretar.
Para além de todos
estes elementos, todos os fairy tales
têm um final definido, isto é, os protagonistas, após ultrapassarem todos os
obstáculos impostos, conseguem finalmente alcançar a estabilidade. O bem vence
o mal, os protagonistas recebem a sua recompensa e os vilões são punidos. No
entanto, nem todos os fairy tales têm
um final feliz mas, mesmo assim, estes têm sempre um final definido.
Todos os elementos
acima mencionados são o que caracteriza os fairy
tales e, portanto, são os ingredientes necessários para formar uma história
comum num conto de fadas. Uma vez que se pretende determinar se The Princess Bride é um fairy tale ou não, é necessário
identificar estes ingredientes quer no livro quer no filme.
Em ambas as
versões de The Princess Bride estão
presentes os ingredientes necessários para tornar esta história num fairy tale. Contudo, isto não significa
que The Princess Bride seja um fairy tale.
Tanto o livro como
o filme têm a mesma estrutura, que coincide com a estrutura que habitualmente
vemos nos fairy tales. Existe uma
situação inicial, que corresponde à apresentação das personagens, como Buttercup
e Westley e, para além disso, são enunciados os motivos da ação, que podem ser
divididos em três pontos: Buttercup e Westley apaixonam-se; a separação e
presumível morte de Westley; e, por fim, Buttercup, já noiva de Humperdinck e
futura princesa do reino, é raptada. Depois da situação inicial, temos a ação
ou a aventura propriamente dita: a reunião de Buttercup e Westley, que agora
têm de enfrentar uma série de perigos com a ajuda de Inigo e Fezzik, de modo a
que possam escapar do príncipe Humperdinck e serem felizes. Por fim, a situação
final corresponde ao desfecho da ação, onde Buttercup e Westley se reúnem e
podem agora ser felizes. É importante, contudo, realçar que a situação final do
livro e do filme não são exatamente iguais.
O espaço e tempo
de The Princess Bride também
coincidem com as mesmas características encontradas nos contos de fadas: o
leitor sabe que a ação principal decorre num país fictício (Florin) e num tempo
indefinido. Existem algumas referências a lugares reais no livro, como acontece
quando Westley parte para a América: “I’m
going to America. To seek my fortune.” (Goldman, p. 38) No entanto, isto não é
o suficiente para localizar a obra no espaço e no tempo. Portanto, o tempo e
espaço de The Princess Bride, na
narrativa principal, são indefinidos e imprecisos, tornando a história
intemporal.
Em The Princess Bride, as personagens
também apresentam as características das personagens que normalmente
encontramos nos fairy tales. Nesta
história existem os heróis, Buttercup e Westley, e existem os vilões, príncipe
Humperdinck. No entanto, estes não são os únicos heróis nem os únicos vilões.
Inigo e Fezzik são também heróis, ainda que inicialmente possam parecer vilões,
quando raptam Buttercup. Para além disso, Vizzini é também um vilão desta
história, ainda que não tenha o mesmo impacto de Humperdinck ou do conde Rugen.
É Vizzini que, juntamente com Inigo e Fezzik, rapta Buttercup. Por sua vez, o
conde Rugen, o braço-direito de Humperdinck, é também um vilão, uma vez que
este é o responsável pela morte de Domingo Montoya, pai de Inigo, e é também
ele quem tortura Westley no Zoo of Death.2
Relativamente às
provas e obstáculos que são por norma ultrapassados nos fairy tales, estes também estão presentes em The Princess Bride. Para que Buttercup e Westley possam ficar
juntos e ser felizes devem ultrapassar uma série de obstáculos. Inicialmente,
os obstáculos a serem ultrapassados são impostos por Vizzini, Inigo e Fezzik,
que raptam Buttercup. Mais tarde, é o príncipe Humperdinck que se opõe a
Westley e Buttercup. É com a ajuda de Inigo e Fezzik que Westley, após uma
série de peripécias, consegue finalmente reencontrar-se com Buttercup.
Em The Princess Bride existem também
elementos do fantástico e do maravilhoso: The Fire Swamp, repleto de estranhas
criaturas (Rodents of Unusual Size) e outros perigos irreais. Além disso,
Miracle Max consegue ressuscitar Westley usando um pedaço de argila mágica.
Estes elementos do fantástico são característicos dos fairy tales.
The Princess Bride
tem em comum com os fairy tales uma
moral, ou mensagem que é transmitida ao leitor. No caso desta história, e
principalmente no livro, uma das mensagens que o autor tenta transmitir é a de
que a vida não é justa:
‘Life isn’t fair, Bill. We
tell our children that it is, but it’s a terrible thing to do. It’s not only a
lie, it’s a cruel lie. Life is not fair, and it never has been, and it’s never
going to be.’ (Goldman, p.126)
Apesar de todos os
esforços dos protagonistas, dos heróis, nem sempre é possível vencer, nem
sempre as coisas correm como deveriam correr e, às vezes, o bem não consegue
vencer o mal.
O último elemento
que caracteriza os fairy tales é o
fim, o desfecho final bem definido e que, normalmente, coincide com um final
feliz. No entanto, é neste elemento que vemos a maior divergência entre o livro
e o filme. É também este ponto que nos ajuda a classificar The Princess Bride como um fairy tale. No filme é apresentado um fim
bem definido, isto é: sabemos o que acontece às personagens, existe um final
feliz. Buttercup e Westley conseguem reencontrar-se após superarem todos os
obstáculos impostos por Humperdinck e conseguem alcançar a felicidade ao lado
dos seus amigos Inigo e Fezzik. Por outro lado, o mesmo não acontece no livro.
Embora Buttercup e Westley consigam escapar de Humperdinck, o leitor não sabe
concretamente o que acontece no fim. O autor apenas diz que as feridas de Inigo
voltam a abrir, Fezzik engana-se, Westley desfalece e são perseguidos por
Humperdinck e a sua armada. O leitor desconhece o destino destas personagens e
não tem como saber se estas conseguem escapar e viver felizes para sempre, ou
se são apanhados por Humperdinck e morrem. Portanto, e tendo em conta tudo o
que foi mencionado anteriormente, podemos classificar The Princess Bride, o filme, como um fairy tale, mas não podemos
fazer o mesmo relativamente ao livro.
Trinta e um anos
depois de se ter estreado nos cinemas, The
Princess Bride, repleto de aventura,
magia, amor, vingança, amizade e ação, tornou-se um filme de culto e continua a
ser um clássico fairy tale, que consegue conquistar não só as crianças como
também os adultos.